Chamada de Artigos para Número Temático – Revista SOCIOLOGIA ON LINE

Conhecimento da/na educação? (Des)encontros entre investigação, política e prática

O mundo educativo, considerado de forma ampla dentro e fora dos muros da Escola,  é, por definição, complexo e plural.  Atravessado por dinâmicas de mudança, que o desafiam permanentemente, reproduz-se num quadro de estruturas perenes e relativamente rígidas. No que concerne ao mundo escolar, os últimos anos foram particularmente ricos em alterações legislativas (implementação dos DL 54 e 55 de 2018, por exemplo), dinâmicas profissionais (falta de professores, conflitualidade laboral), fluxos populacionais que transformam a paisagem humana que habita a escola de forma inequívoca (aumento e transformação dos padrões migratórios), tudo isto no quadro do rescaldo de uma pandemia global que, embora parecendo por vezes já longínqua, se faz sentir muito presente nas suas consequências.

Fora dos muros da escola, num quadro de ampliação da aprendizagem a todo o percurso e espaços da vida, assiste-se à omnipresença dos apoios educativos extra-escolares, cuja procura, desigual nas possibilidades de acesso, obedece a princípios de competitividade no acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho, não sendo possível, por seu turno, ignorar a emergência de novos atores educativos que, atuando com frequência nas margens e para as margens, protagonizam novas dinâmicas de aprendizagem.

Num momento em que se considera imperativo que as práticas e as políticas educativas sejam cada vez mais informadas pelos resultados da investigação científica (OCDE, 2022), são vários os questionamentos que se impõem em torno das complexas (inter)relações entre investigação, política e prática. O desenvolvimento destas relações entre atores com racionalidades e lógicas de ação diversas (Sebastião et al., 2019) tem levado a debates e transformações na conceção sobre o modo de produção e a natureza do conhecimento produzido, bem como a sua utilização, apropriação e co-construção pelos atores em contexto.

Por um lado, o foco no que funciona – “what works” – tende a restringir a investigação a métodos experimentais, análises causais (Biesta, 2007) e modelos estatísticos robustos, privilegiando os dados e a procura de estratégias para a melhoria de eficácia e resultados. A relevância do conhecimento produzido é sobretudo operacional e instrumental (Lindblad & Petterson, 2023), o que leva a duvidar da legitimidade de outro tipo de investigação em educação. Porém, o reconhecimento de que há múltiplas formas de a investigação informar a política e a prática (Silva, 2017) impele-nos a repensar o que se entende por evidência e a considerar o papel cultural da investigação (Biesta, 2007), em particular no seu caráter reflexivo, contribuindo para o questionamento crítico, compreensão de problemas ou construção de vias alternativas de ação.

Por outro, são também várias as formas como os profissionais em contexto participam na produção e uso de conhecimento e de como a política e prática podem ser informadas por evidências científicas. Uma visão restrita e linear solicita conhecimento em forma de receitas para aplicação profissional como meio para aumentar a eficácia das intervenções. Outras perspetivas sublinham a importância de contextos situacionais distintos e de outros fatores – e conhecimentos – que intervêm na decisão prática. Se, cada vez mais, os sociólogos da educação são convocados para intervir nos campos políticos e práticos da educação, as modalidades de relacionamento entre atores e os tipos de contributos fornecidos são multifacetados (Sebastião et al., 2019).

Importa assim refletir sobre os (des)encontros entre investigação, política e prática, analisando o papel da sociologia da educação com os contextos sociais, culturais e políticos que a influenciam (Machado, 2023), num esforço de contribuir, ou não, para uma ideia de utilidade pública (Burawoy, 2005).

Procurando contribuir para criar ligações entre sociólogos e outros profissionais em contextos educativos diversos, bem como para afirmação da Sociologia da Educação em Portugal, este número temático apela a académicos e profissionais a participar neste debate, que se pretende aberto e plural. Assim, convida-se à submissão de textos que abordem os seguintes tópicos:

  • Modos de (não) apropriação de evidências científicas nas práticas educativas e formativas
  • Contributos e alcance da produção de conhecimento sociológico em educação
  • Oportunidades e riscos da transdisciplinaridade na produção de conhecimento em educação
  • Conhecimento em contexto e articulação com evidências e agendas de investigação
  • Presenças e ausências na produção de conhecimento sociológico em educação
  • Envolvimento dos profissionais educativos com o conhecimento sociológico na formação inicial/ contínua e nas suas práticas profissionais

Os/as autores interessados/as em submeter um artigo devem enviar um resumo até 15 de janeiro de 2024 para educacao@aps.pt.

Organização: Secção Temática de Sociologia da Educação da Associação Portuguesa de Sociologia. Eva Gonçalves (CIES-Iscte), Lia Pappámikail (CIEQV, ESE – IPSantarém), Susana Batista (CICS.NOVA, NOVA FCSH).

Data-limite para demonstração de interesse com a submissão de resumo (em português ou inglês, 2000 caracteres): 15 janeiro de 2024

Data-limite de submissão do artigo: 29 de março de 2024

Data prevista de submissão de textos finais após revisão por pares: 30 de julho de 2024

Ficamos à disposição para qualquer esclarecimento adicional.

Com os melhores cumprimentos,

Secção Temática de Sociologia da Educação

Biesta, G. (2007). Why “what works” won’t work: Evidence‐based practice and the democratic deficit in educational research. Educational theory, 57(1), 1-22.

Burawoy, M. (2005) For Public Sociology. American Sociological Review, 70, 4-28. https://doi.org/10.1177/000312240507000102

Levin, Ben (2011). Mobilising research knowledge in education. London Review of Education, 9(1), 15-26.

Lindblad, S.;  Petterson, D. (2023). ‘Who are we writing for’: On research publishing in comparative studies based on International Large-scale assessments. Sisyphus, Journal of Education, 11(02), 139-163. https://doi.org/10.25749/sis.28905

OCDE (2022). Who cares about Using Education Research in Policy and Practice?: Strengthening Research Engagement, Educational Research and Innovation, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/d7ff793d-en

Machado, F. L. (2023). A Sociologia sob observação sócio-histórica. Elementos para uma agenda de pesquisa. Sociologia, problemas e práticas, 101, 53-69. 10.7458/SPP202310127092

Sebastião, J.; Capucha, L.; Martins, S.; Capucha, A. R. (2019). Sociologia da Educação e construção de políticas educativas: da teoria à prática. Revista de Sociología de Educación (RASE), 13(1), 7-19. doi: http://dx.doi.org/10.7203/RASE.13.1.16225

Silva, A.S. (2017). Sociologia e política pública: sobre avanços recentes em Portugal. Análise Social, 225, LII(4º), Análise Social, 782-803.

Número previsto de artigos: 5/6