Nota de Homenagem

JEAN-CLAUDE CHAMBOREDON (1938-2020)

Jean-Claude Chamboredon faleceu no passado dia 30 de Março, aos 81 anos. Este discreto sociólogo francês teve paradoxalmente um enorme impacto na comunidade sociológica francófona. Praticamente desconhecido fora deste circuito linguístico, o que deriva em grande medida de não ter uma obra vasta nem traduzida em inglês, o seu trabalho merece ser descoberto.

Há que situá-lo nos anos 60, época áurea da Sociologia francesa, e relembrar a consistência e a originalidade do trabalho da equipa a que pertenceu, constituída em torno da figura de Pierre Bourdieu. Em co-autoria com Bourdieu e Jean-Claude Passeron publicou um livro de referência para sociólogos e outros cientistas sociais de várias gerações – Le métier de sociologue (Mouton/Bordas, 1967). Mas J-C.C. é também autor de alguns dos artigos mais significativos dos anos 70 e 80 nas revistas Actes de la Recherche em Sciences Sociales (ARSS) e Revue Française de Sociologie (RFS). O seu contributo disperso e eclético, de vocação claramente interdisciplinar, com semelhanças à abordagem englobante que encontramos na obra de Georg Simmel, é de uma enorme riqueza quer no que toca aos temas quer às perspectivas de análise que desenvolve. Dessa fase destacamos o seu artigo, publicado em 1970, com Madeleine Lemaire, na RFS “Proximité spatiale et distance sociale. Les grands ensembles et leur peuplement” em que aborda a questão da coexistência social de populações nos grandes conjuntos habitacionais (“grands ensembles”) construídos no pós-2ª Grande Guerra e que têm importante incidência em França e em particular na região de Paris. O inovador caminho de explicação que desenvolveu nesse trabalho permite compreender porque é este hoje um dos trabalhos mais citados na área da Sociologia Urbana. Essa sua forma independente de pensar sociologicamente, heterodoxa e atenta às transformações do mundo social fica plasmada, na sequência desta anterior pesquisa, em dois brilhantes textos de síntese, publicados em 1985 no livro Histoire la France Urbaine (volume 5). São eles “Construction Sociale des Populations” e “Nouvelles Formes de l’opposition ville-campagnes”. Neles analisa a Transformação Urbana na França de então, centrando-se, no primeiro, nos processos de Suburbanização e nas lógicas habitacionais que lhe estão associadas e, no segundo, na Transformação dos Campos e na sua relação com a Cidade, numa fina perscrutação do emaranhado de relações resultantes da mobilidade das populações e do uso dado aos territórios.

Por fim merece ainda uma referência a memória revelada por aqueles que com ele trabalharam acerca da sua isenção, rigor e afabilidade. Também o modo como estimulou os investigadores mais jovens a desenvolverem uma leitura da “realidade social” desvinculada dos cânones dominantes no campo da Sociologia em que pontuam as vinculações ideológicas e os seguidismos próprios das chamadas “escolas de pensamento” é aqui lembrado. Essas suas características ficaram particularmente patentes aquando da sua instalação em Marselha nos anos 90 (J-C.C. nasceu em Bandol, na região do Var, não longe da cidade de Marselha), no desenvolvimento do projecto inovador do Pólo de Marselha da EHESS (École des Hautes Études en Sciences Sociales). Chamboredon ganha um novo folego investigativo focado na inquirição da cidade de Marselha e nas suas transformações e forma uma equipa de novos pesquisadores que hoje brilham no universo das Ciências Sociais francesas. De entre os trabalhos então realizados destacam-se duas obras maiores: Grandes familles de Marseille au XXe siècle, de Pierre Paul Zalio publicado nas Éditions Belin, em 1999 e Marseille entre ville et port, Les destins de la rue de la République, de Pierre Fournier e Sylvie Mazzella, (co-organizadores) (La Découverte, 2004).

Para uma informação mais detalhada sobre o autor sugerimos a consulta da homenagem que lhe é prestada pela EHESS em https://www.ehess.fr/fr/hommage/hommage-jean-claude-chamboredon. Em particular assinalamos o texto publicado pelo Centre Norbert Elias, unidade de investigação mista CNRS e EHESS herdeira da equipa e do projecto interdisciplinar pioneiro, iniciado por Chamboredon e Passeron, entre outros, e designado SHADYC (Sociologie, Histoire, Anthropologie des dynamiques culturelles). Nesse testemunho os autores destacam o lugar de excepção que Jean-Claude Chamboredon ocupa como sociólogo de terreno e citam-no: “Apprendre à faire du terrain, c’est aller sur le terrain, observer, écouter, sentir”. A descobrir.

Luís Baptista
Sociólogo Urbano, Universidade NOVA de Lisboa – FCSH
Co-organizador com Sylvie Mazzella, Patrícia Pereira e João Pedro Nunes de livro a editar em 2020 com textos selecionados, traduzidos para português, de Jean-Claude Chamboredon.

Lisboa, 14 de abril de 2020

[Foto obtida em Le Monde: Le sociologue Jean-Claude Chamboredon, à l’ENS, à Paris, en 2015. Archives privées]