Jornal Expresso  Opinião | Pedro Adão e Silva

Pôr as profissões na ordem

Com a criação recente da ordem dos assistentes sociais, passam a existir em Portugal 18 profissões autorreguladas, gozando de poderes públicos para garantir o cumprimento dos deveres deontológicos e punir infrações profissionais dos seus membros. Esta fúria ordenadora não encontra praticamente paralelo na Europa e tem servido para banalizar as profissões às quais faz sentido o Estado conferir poderes públicos. Mais, potencia a tendência irresistível para os bastonários se transformarem em líderes sindicais e, particularmente grave, promove barreiras corporativas no acesso ao mercado de trabalho.

Faz sentido que o Estado confira poderes especiais às profissões exercidas em regime liberal cuja atividade tem impacto público. É esse o motivo para que, historicamente, advogados, médicos e engenheiros civis tenham o acesso e o exercício das suas profissões autorregulados. Só que o que se tem passado nas últimas décadas, com um ímpeto imparável de criação de ordens para profissões que não são exercidas em regime liberal, é do domínio do absurdo. Temos, neste momento, por exemplo, ordem dos biólogos, dos contabilistas certificados, dos despachantes oficiais, dos veterinários, dos nutricionistas e, agora, dos assistentes sociais, tendo o parlamento já aprovado mais uma, a dos fisioterapeutas.

Faz sentido que o Estado confira poderes especiais às profissões exercidas em regime liberal cuja atividade tem impacto público.

Esta multiplicação de ordens tem servido para que os bastonários se tenham transformado em dirigentes sindicais — o que manifestamente não podem ser —, enquanto se desvaloriza, de facto, o sindicalismo enquanto instância própria para reivindicações laborais de natureza política. Os papéis contraditórios desempenhados pelos bastonários permanecem um traço marcante da degradação do debate público em Portugal, que prejudica a defesa do interesse comum e as próprias exigências legítimas dos grupos profissionais que defendem. Pelo caminho, em muitos casos, enquanto exorbitam das funções que a lei lhes atribui, as ordens vão-se esquecendo de pôr termo às más práticas deontológicas dos seus membros.

Mas, porventura, o aspeto mais negativo da criação em catadupa de ordens é o contributo para o fechamento por exclusão de um mercado de trabalho já de si muito rígido como o português. O caso da ordem dos assistentes sociais é paradigmático: uma atividade profissional que, no passado, foi exercida por pessoas com formações diversas (de economistas a sociólogos passando por psicólogos) passa, agora, a ser desempenhada em exclusividade por licenciados em serviço social. Este reforço de barreiras corporativas à entrada no mercado de trabalho, enquanto diminuiu a multidisciplinaridade, promove um monopólio profissional que prejudica o serviço público. Ou seja, as ordens detêm um privilégio que só pode prejudicar os mesmos utentes que, alegadamente, se pretende defender.