Comunicado da Associação Portuguesa de Sociologia sobre a proposta para a “Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania e Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento” atualmente em consulta pública
É com muita preocupação que a Associação Portuguesa de Sociologia vê a proposta do Ministério da Educação, Ciência e Ensino Superior de esvaziar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento de conteúdos relativos à Educação Sexual, concentrando-os em disciplinas no âmbito da Biologia e Ciências Naturais. Manifesta igualmente a sua apreensão pelo facto de esta revisão profunda da estratégia nacional de educação para a cidadania não se fundamentar numa avaliação externa e pública sobre o trabalho que as escolas têm realizado neste domínio, nem numa auscultação rigorosa às escolas, mas surgir no seguimento de suspeitas levantadas pelo Primeiro-Ministro nunca esclarecidas, nem corroboradas pela administração educativa.
O carácter interdisciplinar e transversal dos temas relacionados com as sexualidades não pode invisibilizar as conquistas da inclusão institucional da educação sexual nos currículos dos ensinos básico e secundário, não apenas numa perspetiva da saúde reprodutiva, mas também dos direitos humanos e da cidadania.
Fazer tábua rasa de contributos científicos que têm sido acumulados em diversas áreas das ciências sociais, de entre as quais a Sociologia, sobre a compreensão das sexualidades enquanto identidades e comportamentos sociais que estão no centro de estruturas e sistemas de relações de poder, é privar jovens em formação do acesso a conhecimento científico atual e premente para a sua vida em sociedade. Simultaneamente, inviabiliza a escola, enquanto instituição de referência central na formação de jovens, de contribuir com dados científicos na desconstrução de um conjunto de discursos públicos que têm disseminado falsidades produtoras e reprodutoras de estereótipos excludentes de populações juvenis historicamente colocadas em situações vulneráveis e marginalizadas.
A institucionalização da educação sexual no processo educativo é vulnerável às mudanças políticas. Isto porque a sexualidade é política, como já é sabido pelo menos desde os escritos de Michel Foucault, mas também porque a escola não é neutra, como também demonstraram as investigações de Pierre Bourdieu e a sua equipa desde os anos 70 do século passado.
A posição da Associação Portuguesa de Sociologia é a de que a educação sexual na perspetiva dos direitos humanos e de cidadania é um direito, e que a sua retirada representa um retrocesso que põe em causa a prevenção da violência e não discriminação de tantas pessoas jovens que veem quotidianamente os seus corpos e as suas existências sujeitas a várias formas de violência social, física e simbólica.
Manter e reforçar um projeto de educação sexual nas escolas na perspetiva da promoção dos direitos humanos e de uma cidadania inclusiva, é imprescindível num contexto em que assistimos à naturalização da cultura da violência sexual, de diferentes tipos de bullying homofóbico e transfóbico, e de várias formas de violência de género no âmbito de relações de intimidade. Sabemos também que hoje as pessoas jovens navegam, interagem e têm acesso a conteúdos digitais – sendo também da responsabilidade da escola promover competências e recursos para a construção de uma reflexão crítica sobre tópicos relacionados com aspetos da educação afetivo-sexual no digital e da violência sexual digital.
Todas estas formas de violência quotidianas determinam a persistência de trajetórias vulneráveis e trazem consequências nefastas na vida de todas as pessoas jovens implicadas – incluindo vítimas e perpetradoras, que contribuem para taxas elevadas de problemas de saúde mental, insucesso escolar e exclusão social.
Igualmente, a Associação Portuguesa de Sociologia afirma a importância da colaboração das escolas com as comunidades, devendo as escolas ter autonomia pedagógica para definir as entidades parceiras mais adequadas para enriquecer a sua estratégia local de educação para a cidadania. A escola desempenha um papel absolutamente central para a cidadania e, logo, da valorização da educação para a cidadania, devendo ser lecionada por professores com uma formação sólida em ciências sociais. A APS mantém-se disponível para cooperar com o Ministério da Educação nesta matéria, esperando que a sua posição seja ouvida.
A Direção
Associação Portuguesa de Sociologia
Lisboa, 25 de julho de 2025
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