Publicação em open acess. Veja o Nº 36 [aqui] e toda a revista [aqui]

O número temático da SOCIOLOGIA ON LINE que aqui se apresenta reúne contributos apresentados e/ou desenvolvidos na sequência do “7th Global Meeting on Law and Society”, que teve lugar em Lisboa, no ISCTE, entre os dias 13 e 16 de julho de 2022. Este “Global Meeting” foi organizado pela Law & Society Association em parceria com o Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association e associações académicas de todo o mundo, incluindo a Secção Temática de Sociologia do Direito e da Justiça da Associação Portuguesa de Sociologia, que participou activamente no Local Arrangements Committee (LAC) constituído para a organização da conferência

Editorial

Sílvia Gomes

Susana Santos

Patrícia Branco
Vera Duarte
Patrícia André
Pierre Guibentif

O estudo aborda a Síndrome do Esgotamento Profissional (burnout) no contexto do Direito do Trabalho, especialmente após a pandemia de COVID-19, que intensificou a virtualização do trabalho e a sobrecarga mental dos trabalhadores. A síndrome é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), através da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) sob o código Z73.0, definido como um estado de esgotamento vital. A pesquisa analisa 39 acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRTSP) relacionados com o burnout como doença ocupacional. Utilizando uma abordagem empírica quantitativa e estudo de caso com leitura crítica dos acórdãos, procura-se identificar: o reconhecimento judicial do burnout como doença ocupacional, a existência de nexo causal direto ou indireto entre a atividade desempenhada e o surgimento do burnout, a responsabilidade pela prova do nexo causal, e a forma de condenação em caso de reconhecimento de dano ao trabalhador. Os resultados destacam o reconhecimento do burnout como doença ocupacional e a dificuldade na sua comprovação, especialmente devido à atribuição do ônus da prova ao reclamante. Há uma preferência pela compensação de danos morais, com poucos casos de deferimento de pensão mensal. O estudo sugere a transferência do ônus da prova para o réu quando já houver prova documental robusta, enfatizando a importância do ambiente de trabalho, especialmente em instituições financeiras.

A cultura jurídica caracteriza-se pela negação da emoção e valorização da objetividade, neutralidade e imparcialidade. Simultaneamente, a magistratura judicial tem vindo a ser qualificada como uma profissão com intensidade de trabalho elevada, nomeadamente devido às exigências cognitivas e emocionais a que estão sujeitos, em especial em áreas como o crime e a família e menores. Recorrendo às contribuições da sociologia das emoções e direito (law and emotion), este artigo parte dos dados recolhidos num inquérito online para refletir sobre as perceções dos juízes de primeira instância portugueses quanto às exigências cognitivas e emocionais do seu trabalho. Toma-se como objetivos: identificar as diferenças entre as perceções dos juízes a exercer funções nos juízos especializados e nos juízos de competência genérica; refletir sobre as potenciais consequências das perceções negativas dos juízes quanto às exigências emocionais e cognitivas na elaboração das decisões judiciais; e apresentar questões e hipóteses para projetos futuros. Os dados apresentados neste artigo evidenciam diferenças significativas entre os juízos e áreas de atuação, com impacto desproporcional nos juízes que trabalham em matérias como família e menores e crime, onde as exigências emocionais são particularmente elevadas. Apesar do guião cultural que descreve o juiz como alguém que não se deixa afetar pelas emoções, os dados apresentados e as contribuições da law and emotion demonstram que o trabalho judicial envolve inevitavelmente circunstâncias em que as emoções são sentidas e necessitam de ser geridas. Deste modo, o reconhecimento das emoções como parte legítima e positiva do trabalho judicial revela-se essencial para mitigar as perceções de intensidade cognitiva e emocional associadas à profissão, contribuindo, por um lado, para a melhoria das condições de trabalho e bem-estar dos juízes e, por outro, para reforçar a confiança do público nos tribunais e na imparcialidade do poder judicial. Tendo em conta o seu caráter maioritariamente exploratório, este artigo pretende ser um apelo e ponto de partida para a realização de mais estudos sobre esta temática no contexto português.

O uso de novas tecnologias e o potencial da digitalização, com o recurso à inteligência artificial (IA), tem demonstrado um grande impacto no direito e na administração da justiça. O recurso à IA e a integração no campo do direito e dos tribunais de lógicas algorítmicas, instrumentais e funcionais, diferentes das racionalidades jurídicas, veio estabelecer uma nova gramática jurídica que modifica o ethos e a atitude dos atores judiciais. É nesta perspetiva de mutação — continuidades, ruturas, oportunidades e riscos — que se analisa o impacto da IA em dois campos: o ontológico-ético-jurídico e o da democracia, Estado de Direito e direitos fundamentais. No primeiro, observa-se como a racionalidade algorítmica da IA desafia a lógica simbólica do direito e da justiça e os seus princípios éticos. No segundo, destaca-se o seu efeito sobre os princípios e pilares democráticos assente na ótica dos direitos fundamentais, nas suas dimensões de “direitos, liberdades e garantias” e “dos direitos sociais e económicos”, isto é, numa lógica de análise que questiona como a IA interfere no funcionamento do Estado de Direito e da soberania política como, também, mantém ou intensifica, nas sociedades, as desigualdades socioeconómicas. Daqui resulta um contributo para a construção de uma Sociologia Política do Direito, Justiça e IA que permita compreender a emergência destes novos campos de tensão, onde se combinam novas racionalidades e temporalidades, contribuindo para o fortalecimento dos princípios de um Estado de Direito Democrático.

This article provides an overview of Portuguese drug laws, highlighting their unique features, current limitations, and ongoing challenges. Although Portugal has decriminalised the use of all illegal drugs, certain aspects reflect the ambivalence of its legal approach toward drug users. The reinstatement of drug use as a criminal offense by the Supreme Court between 2008 and 2023 — when established quantity limits under the decriminalisation framework are exceeded — the continued criminalisation of self-cultivation, social supply, and small-scale dealing to support personal use, keep drug users entangled in the criminal justice system. The enforcement of drug laws has led to an increase in legal actions against drug users, while the broader impact of decriminalisation on drug use and crime rates remains limited. Finally, to explore alternatives to prohibition, the article reviews international experiences with cannabis legalisation, aiming to foster a broader discussion on the potential regulation of drug markets.

The article presents a reflection on the challenges of studying judicial working conditions and its impact on the judicial professionals’ health and well-being, with a mixed-methods design and technique. It discusses the work developed on the project “QUALIS” focused on the working conditions of Portuguese judges, public prosecutors and court clerks. This contribution will contextualize the research problem and the “QUALIS” approach and share two main methodological challenges: selecting and building the data collection methods, questionnaire and interviews; and analysing the mixed-methods data results. The questionnaire and interviews were used to gather information about judicial professionals’ perceptions of working conditions in courts (e.g. physical environment, work intensity and social environment), as well as work-family conflict and the impact on health and well-being. The article highlights the importance of adapting the instruments to judicial professionals’ specificities and interests and opens the discussion on the instrument’s results apparent mismatch.